segunda-feira, 9 de junho de 2008

Intertextualidade

Intertextualidade é um diálogo entre textos. Esse diálogo pressupõe um universo cultural muito amplo e complexo, pois implica na identificação e o reconhecimento de remissões a obras ou a textos (trechos) mais ou menos conhecidos, além de exigir do interlocutor a capacidade de interpretar a função daquela citação ou alusão em questão.. Dependendo da situação, a intertextualidade tem funções diferentes, dependendo dos textos e contextos em que as referências (lingüísticas ou culturais) estão inseridas, sendo assim “graus das funções da intertextualidade”. Bakhtin apresenta um conceito abrangente de “texto” como sendo o que diz respeito a toda produção cultural com base na linguagem. Ao mesmo tempo, com a definição de “diálogo”, rompe com velhas tradições da Literatura para, enfim, compreender o texto em sua interação não apenas com discursos prévios, mas também com os receptores do mencionado discurso. Para esse teórico, o processo de leitura não pode ser concebido desvinculado da noção de intertexto, já que o princípio dialógico permeia a linguagem e confere sentido ao
discurso, elaborado sempre a partir de uma multiplicidade de outros textos. É sob a influência dos conceitos bakhtinianos de polifonia e carnavalização que um bom número de teóricos dos anos 60 revisa tratados semióticos em busca de novas perspectivas para o estudo das relações entre discursos.
É nesse contexto que Kristeva, membro atuante da crítica francesa, elabora seu conceito de intertextualidade considerando que todo texto se constrói como “mosaico de citações”. Dito entendimento acarreta a consideração de que a intertextualidade é um fenômeno que se encontra na base do próprio texto literário, imbricada com a inserção deste num múltiplo conjunto de práticas sociais relevantes. A partir de Kristeva, “texto” passa a ser entendido como o evento situado na história e na sociedade, que não apenas reflete uma situação, mas é essa própria situação, apagando linhas divisórias entre as disciplinas e constituindo um cruzamento entre diferentes superfícies textuais e distintas áreas do saber científico e da esfera artística. “Pelo seu modo de escrever, lendo o corpus literário anterior ou sincrônico, o autor vive na história, e a sociedade se escreve no texto.”[2] A partir dos postulados de Kristeva, Herberts observa que a intertextualidade reflete a concepção do texto literário “como carregado de outros textos, inclusive do “texto” da realidade.”
Portanto, o fenômeno da intertextualidade está ligado ao "conhecimento de mundo", que deve ser compartilhado, ou seja, comum ao produtor e ao receptor de textos.

Estudo de análise de poesia no âmbito da intertextualidade

O estudo da poesia apresenta certas dificuldades especiais, posto que, neste universo a linguagem é mais convencional exigindo uma atenção maior do leitor. Para Antônio Cândido análise como comentário de poesia é um preâmbulo, e para o professor de literatura e de língua se torna parte indispensável. Cândido ainda afirma que o comentário é essencialmente o esclarecimento objetivo dos elementos necessários ao entendimento adequado que não pressupõe em si a sensibilidade estética, mas que sem ela se torna uma operação mecânica. Pensar em análise de poesia é observar as belezas da dor de um modo geral e não ficar preso à instituição própria. Para melhor adentrar neste mundo poético como forma de análise, precisa ter um conhecimento aguçado sobre intertextualidade, posto que para Bakthin a intertextualidade assume várias modalidades , e manifestação em diferentes tradições culturais.Para tanto, a intertextualidade assume um papel assume um papel muito importante na linguagem literária, especialmente na poesia

Barca Bela (Almeida Garrett)

Pescador da barca bela,
Onde vais pescar com ela.
Que é tão bela,
Oh pescador?

Não vês que a última estrela
No céu nublado se vela?
Colhe a vela,
Oh pescador!

Deita o lanço com cautela,
Que a sereia canta bela...
Mas cautela,
Oh pescador!

Não se enrede a rede nela,
Que perdidoé remo e vela,
Só de vê-la,
Oh pescador.

Pescador da barca bela,
Inda é tempo, foge dela,
Foge dela
Oh pescador!


Analise da obra

O poema barca bela é composto de cinco estrofes, ele demonstra desejo, concepção da beleza, com uma linguagem mais simples e popular, os versos melodiosos, os sentimentos mais espontâneos. É um poema que fala de si próprio, refere-se a ele mesmo, há uma metalinguagem, que traz em seu contexto o romantismo. Na primeira estrofe o poeta monta seu cenário e inicia sua conversa com seu interlocutor. O eu-lírico dirige-se ao pescador, ou seja, o poeta fala consigo mesmo. Na segunda estrofe o poeta cria um ambiente para sua encenação estabelecendo a escuridão do céu nublado no qual a última estrela se esconde. A escuridão da noite é típica do romantismo, ocorrendo o desenrolar dos sonhos, uma imaginação sem limite. Ao pescador, que antes navegava com uma direção estabelecida, guiada pela vela, o eu-lírico recomenda que colha a vela ficando, portanto, à deriva. Bastante triste com a realidade ao seu redor, em conflito com a sociedade e dilacerado pelos seus dilemas íntimos, o romântico procura fugir no espaço , no tempo, no sonho e no fantástico. Na terceira estrofe quando introduz a imagem do canto da sereia. O poeta romântico busca a ascensão da voz misteriosa da sereia, que é a própria poesia. Na quarta estrofe o poeta explica porque o pescador deve ter cuidado ao se aproximar da sereia. Por um deslize ou descuido, o pescador poderia embaraçar sua rede nela, e estaria acabado. Na quinta e última estrofe o poeta parece querer impedir o pescador/poeta de deixar-se levar pelo encantamento da sereia, mas essa tentativa parece vazia. A repetição da ordem “foge dela, /Foge dela” cria uma ordem que não deve ser cumprida, sua repetição deixa clara a negação da ordem. A vontade de se render e se entregar, apesar dos riscos, sobrepõem-se ao medo da perdição.

Este Inferno de Amar (Almeida Garrett)

Este inferno de amar - como eu amo!
Quem mo pôs aqui na alma...quem foi?
Esta chama que alenta e consome,
que é a vida - e que a vida destrói
Como é que se veio atear,
Quando - ai quando se há-de ela apagar?

Eu não sei, não me lembra; o passado,
A outra vida que dantes vivi
Era um sonho talvez...-foi um sonho
Em que paz tão serena dormi!
Oh! Que doce era aquele sonhar
...quem me veio, ai de mim! Despertar?

Só me lembra que um dia formoso
eu passei... dava o Sol tanta luz!
E os meus olhos, que vagos airavam,
em seus olhos ardentes os pus,
que fez ela? Eu que fiz? Não no sei,mas nessa hora a viver comecei...


Análise da obra


É composto de três estrofes de seis versos,chamado de sextilhas.Um poema marcado por sentimentos românticos:desejo,remorso,sofrimento,saudade,cultuando as razões do coração do coraçaõ,uma vida tragica,frustação amorosa,melancolia e solidão. Ele foi escrito em primeira pessoa,onde o “eu” mostra-se de uma forma disinibida e sincera,um “eu” torturado pela descoberta de que amar é um inferno,deixa claro a sua desilução amorosa,uma contradição,criando oposições para definir seu inferno: Chama que alenta e consome Atiar/apagar Sonhar/despertar. A pessoa ou objeto desse amor tão ardente que preocupa e atormenta: ”Que faz ela?”.Tudo gira em torno de si mesmo,ao redor do seu “eu lirico”.

Eurico, o Presbítero, de Alexandre Herculano

No tempo em que a Península Ibérica foi invadida pelos mouros, ano 711 a.C., um presbítero godo, chamado Eurico, era muito prestigiado pelas canções e pelos poemas que escrevia. Eurico, que abraçara o sacerdócio sem ter vocação para tal, era diretamente inspirado pelo amor que ainda nutria por Hermengarda, cujo pai impedira o casamento dos namorados.
Eurico entra para o convento no ano da avassalante invasão árabe. Quando a luta entre árabes e visigodos se torna acirrada, Eurico abandona o hábito e pega em armas para defender as terras da Espanha. Ele se transforma no Cavaleiro Negro e os seus feitos passam a correr de boca em boca.
Enquanto Pelágio prepara a defesa das Astúrias, sua irmã Hemengarda é raptada. É o próprio Eurico quem salvará sua amada, disfarçado de Cavaleiro Negro. Consegue fazê-la escapar da mão dos sarracenos e a leva para a Gruta de Covadonga, onde renasce o antigo amor, que agora esbarrou com um obstáculo intransponível: o juramento do sacerdote Eurico, que deve manter o celibato clerical.
Os amantes resolvem separar-se. O cavaleiro se lança em sucessivas investidas contra os árabes, em atitude suicida, que o leva à morte. Hermengarda, inconformada com a perda, enlouquece.
Alguns trechos do romance os lances românticos e trágicos do amor impossível, da luta entre árabes e visigodos.
(...)
Em frente da tosca ponte de pedras brutas lançadas sobre o rio, uma senda estreita e tortuosa atravessava a selva e, passando pela clareira, continuava por meio dos outeiros vizinhos, dirigindo-se, nas suas mil voltas, para as bandas da Galécia. Quatro cavaleiros, a pé e em fio, caminhavam por aquele apertado carreiro. Pelos trajos e armas, conhecia-se que eram três cristãos eum sarraceno. Chegados à clareira, este parou de repente e, voltando-se com aspecto carregando para um dos três, disse-lhe:
_ Nazareno, ofereceste-nos a salvação, se te seguíssemos: fiamo-nos em ti, porque não precisavas de trair-nos. Estávamos nas mãos dos soldados de Pelágio, e foi a um aceno teu que eles cessaram de perseguir-nos. Porém o silêncio tenaz que tens guardado gera em mim graves suspeitas. Quem és tu? Cumpre que sejas sincero, como nós. Sabes que tens diante de ti Muguite, o Amir da cavalaria árabe, Juliano, o conde de Septum, e Opas, o bispo de Hispalis.
_ Sabia-o _ respondeu o cavaleiro: _ por isso vos trouxe aqui. Queres saber quem sou? Um soldado e um sacerdote de Cristo!
_Aqui!?... _ atalhou o Amir, levando a mão ao punho da espada e lançando os olhos em roda. _ Para que fim?
_ A ti, que não eras nosso irmão pelo berço; que tens combatido lealmente conosco, inimigos da tua fé; a ti, que nos oprimes, porque nos venceste com esforço e à luz do dia, foi para te ensinar um caminho que te conduza em salvo às tendas dos teus soldados. É por ali!... A estes, que venderam a terra da pátria, que cuspiram no altar do seu Deus, sem ousarem francamente renegá-lo, que ganharam nas trevas a vitória maldita da sua perfídia, é para lhes ensinar o caminho do inferno... Ide, miseráveis, segui-o!
E quase a um tempo dois pesados golpes de franquisque assinalaram profundamente os elmos de Opas e Juliano. No mesmo momento mais três reluziram.
Um contra três! _ Era um combate calado e temeroso. O cavaleiro da cruz parecia desprezar Muguite: os seus golpes retiniam só nas armaduras dos dois godos. Primeiro o velho Opas, depois Juliano caíram.
Então, recuando, o guerreiro cristão exclamou:
_ Meu Deus! Meu Deus! _ Possa o sangue do mártir remir o crime do presbítero!
E, largando o fraquisque levou as mãos ao capacete de bronze e arrojou-o para longe de si.
Muguite, cego de cólera, vibrara a espada: o crânio do seu adversário rangeu, e um jorro de sangue salpicou as faces do sarraceno.
Como tomba o abeto solitário da encosta ao passar do furacão, assim o guerreiro misterioso do Críssus caía para não mais se erguer!...
Nessa noite, quando Pelágio voltou à caverna, Hemengarda, deitada sobre o seu leito, parecia dormir. Cansado do combate e vendo-a tranqüila, o mancebo adormeceu, também, perto dela, sobre o duro pavimento da gruta. Ao romper da manhã, acordou ao som de cântico suavíssimo. Era sua irmã que cantava um dos hinos sagrados que muitas vezes ele ouvira entoar na catedral de Tárraco. Dizia-se que seu autor fora um presbítero da diocese de Híspalis, chamado Eurico.
Quando Hermengarda acabou de cantar, ficou um momento pensando. Depois, repentinamente, soltou uma destas risadas que fazem eriçar os cabelos, tão tristes, soturnas e dolorosa são elas: tão completamente exprimem irremediável alienação de espírito.
A desgraçada tinha, de feito, enlouquecido.


Análise da obra


A obra de Eurico, o Presbítero, de Alexandre Herculano faz intertextualidade com a Bíblia, Romeu e Julieta e com a guerra dos visigodos e árabes na Península Ibérica no século VIII.
Estes poemas, em que palpitava a indignação e a dor de um ânimo generoso, eram o Gethsemani do poeta. (p. 28)
Não eram assim os godos do oeste quando, ora arrastado por terras as águias romanas, ora segurando com seu braço de ferro o império que desabava, imperavam na Itália, nas Gálias e nas Espanhas, moderadores e árbitros entre o Setentrião e o Meio-dia.
Não eram assim, quando o velho Teodorico, semelhante ao urso feroz da montanha, combatia nos campos cataláunicos. (p. 32)

Hino à Razão

Razão, irmã do Amor e da justiça,
Mais uma vez escuta a minha prece.
È a voz dum coração que te apetece,
Duma alma livre, só a ti submissa.

Por ti é que a poeira movediça
De astros e sóis e mundos permanece;
E é por ti que a virtude prevalece;
E a flor do heroísmo medra e viça.

Por ti, na arena trágica, as nações
Buscam a liberdade, entre clarões;
E os que olham o futuro e cismam, mudos,

Por ti, podem sofrer e não se abatem,
Mãe de filhos robustos, que combatem
Tendo o teu nome escrito em seus escudos!


PEQUENA INTERPRETAÇÃO QUE ABORDE O INTERTEXTO


O sujeito poético, em prece, se dirige a razão (sujeito anafórico Por ti) para:

1. Compreender a existência e funcionamento do universo
“Por ti é que a poeira movediça
De astros e sóis e mundos permanece”

2. Virtude e heroísmo só com o uso da razão
“E é por ti que a virtude prevalece;
E a flor do heroísmo medra e viça.”

3. Nações perseguidas, em meio a lutas, alcançaram a sua liberdade combatendo a tirania e a opressão
“Por ti, na arena trágica, as nações
Buscam a liberdade, entre clarões”

4. Em nome da razão, as lutas do presente não podem permitir que se desvaneça a sua esperança em relação ao futuro
“Por ti, podem sofrer e não se abatem,
Mãe de filhos robustos, que combatem”


5. Por meio dos versículos 13 e 14 termina a exaltação por meio do apóstrofe mãe (a razão) de filhos robustos (todo o que combate em nome da razão)
“Mãe de filhos robustos, que combatem”...

A abordagem do tema busca evoca a intertextualidade na particular influência do filósofo alemão Hegel que, segundo seus estudos, “todo conhecimento é conhecimento humano, e este não é concebido sem o uso da razão”